(por Luiz Henrique Prieto)
Saudade dos bons tempos do Kichute, Bamba e, mais recentemente, do Redley.
Muito provavelmente, a nova geração jamais deve ter ouvido falar de tais marcas, mas todas elas simbolizam a Era Dourada do Keds.
Sim, Keds é o sinônimo que a moçada utilizava para denominar o bom e velho tênis.
Mas porque o título “Quédis” e não “Tênis”?
Simples.
Quem anda com a mente meio poluída, mas é um bom samaritano, poderia associar o calçado ao órgão fálico masculino e deixaria a leitura já no título mesmo.
Os tarados de plantão diriam: “Oba ! Deve ser conto erótico !” e, fatalmente, dariam com os burros n’água.
E “Quédis” pura e simplesmente porque aportuguesei a palavra.
O saudosismo impera mesmo quando lembro do bom e velho “Kichute”.
O quédis de todas as horas !
Com suas 7 travas (sim, assemelhava-se a uma chuteira), servia prá bater pelada, ir à escola, passear e, acreditem, era a sensação nas festas.
Nessa época dourada, o uso do Kichute era associado ao seriado “O Homem de Seis Milhões de Dólares”.
Inclusive, em um dos comerciais, o menino pulava cercas e tudo o mais usando o fantástico quédis.
Tínhamos um cuidado danado com o “pretinho”.
Qualquer poeirinha era rapidamente tirada, usando uma flanela ou mesmo o bom cuspe.
O tempo todo ficávamos observando se os cabelinhos das travas (similares aos dos pneus de carros) estavam se desfazendo.
E, por mais que usássemos o tênis em tempo integral (se os pais deixassem, dormiríamos e tudo o mais com o tesouro), o desgaste levava um tempão.
Feitos para durarem uma eternidade e resistir a todas as provas da infância, raramente se desgastavam e, quando isso acontecia, geralmente era na lona das laterais.
As travas mesmo custavam a desaparecer.
E, quando isso acontecia, o solado ainda durava um bom tempo.
Quando não tinha mais jeito, levávamos o agonizante companheiro ao sapateiro, para uma providencial reforma.
E o companheiro de todas as horas ganhava uma sobrevida.
O curioso é que o tempo todo estávamos preocupados com o nosso tesouro.
Quando novinho, após o uso, mantínhamos na caixa, devidamente embalados em papel de seda.
À medida que ia se desagastando, cuidados mil para que não perdesse o brilho.
Mãos e mais mãos de graxa.
Mil e um invenções para que o pretinho não perdesse o prestígio.
E, quando não mais havia jeito, era costume jogar o amigo na rede elétrica da rua, como num simbólico enterro.
Os relacionamentos são desse jeitinho !
Quando “ganhamos” o presente, temos todo o cuidado do mundo para preservá-lo na caixa, embrulhado em papel de seda.
Quando arranha, damos um jeito de lustrar, consertar com um pouquinho de graxa, tentando manter a aparência original.
No entanto, infelizmente, não nos preocupamos em levar ao sapateiro, quando achamos que não há mais o que se fazer.
Simplesmente, descartamos.
Tempos modernos, minha gente!
Hoje compram-se tênis em 10, 12, 24 prestações.
Quem dera que os quédis atuais durassem o mesmo tanto das prestações!
Costumam acabar mesmo já na metade da dívida.
A facilidade com a qual trocamos os tênis gastos é a mesma com a qual trocamos de relacionamentos.
Sem falar na inutilidade do número de calçados que a gente costuma adquirir, mas nem sabemos o que fazer com elas.
Algumas pessoas mais parecem centopéias, tantos são os pares de sapatos guardados no armário.
São tantos, que nem sabem ao certo o que fazer com eles.
Preferem a quantidade, não a qualidade.
Seus relacionamentos também não têm sido dessa maneira ?
Você não tem se portado como uma verdadeira centopéia ?
Quando calça o último par de tênis, nem lembra mais o que estava lá no comecinho dos cem pés...
E, quando dá uma boa olhada no primeiro, acaba esquecendo do último pezinho...
É preciso resgatar não só os velhos Kichutes, Bambas e Redley’s, mas também o cuidado que tínhamos com eles.
Ficarmos felizes ao calçá-los, desde que sejam realmente o nosso número.
Não adianta querer calçar um tênis que está, ou muito apertado, ou muito folgado.
Não existe fórmula mágica para ajustá-los aos nossos pés.
Tenho certeza que, se estiver exatamente na medida, você terá o máximo cuidado em preservá-lo, primeiro cuidando para mantê-lo bonitinho na caixinha, embrulhado no mais bonito papel de seda.
Segundo, com o passar do tempo e o inevitável desgaste natural, cuidar para que, se não for possível restaurá-lo ao estado original, deixá-lo bem parecido.
Possivelmente necessite de algum remendo, uma mãozinha de graxa, enfim, uma boa guaribada.
E, finalmente, que tal ao invés de descartar o seu bom e velho quédis, tentar levá-lo ao sapateiro ?
Garanto que ficará muito feliz com o excelente resultado que a sobrevida do “pretinho” irá lhe proporcionar.
Contudo, se desejar mesmo enterrar seu velho quédis, não o faça na rede elétrica.
Sepulte-o, definitivamente, em algum lugar, longe do alcance dos olhos.
Afinal, a gente cobiça somente aquilo que vê!
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