sábado, 12 de março de 2011

A Mulher Mineira - por Drumond

O SOTAQUE DAS MINEIRAS


O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar.
Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais,
como é que o falar, sensual e lindo ficou de fora?

Porque, Deus, que sotaque!

Mineira devia nascer com tarja preta avisando:
Ouvi-la faz mal à saúde.

Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para
assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso?
Assino achando que ela me faz um favor.

Eu sou suspeitíssimo.
Confesso: esse sotaque me desarma.
Certa vez quase propus casamento a uma menina que
me ligou por engano, só pelo sotaque.

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.
Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem:
pode parar, dizem:"pó parar").

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas,
supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem -
lingüisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs.

Digo-lhes que não.
Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade.
Fala que ele é bom de serviço.

Pouco importa que seja um juiz de direito,
um jogador de futebol ou um ator de filme pornô.
Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de
serviço.

Faz sentido...

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.
Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas
há de perguntar pra outra: "cê tá boa?"

Para mim, isso é pleonasmo.
Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário.

Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.
Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer:
Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).

O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais amplos significados.
Quer dizer, por exemplo, trabalhar.
Se lhe perguntarem com que você mexe, não fique ofendido.
Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir.
Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta.

Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo,
você liga e diz:
Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não,sô.

Esse "aqui" é outro que só tem aqui.
É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública,
de qualquer frase.
É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe
dando muita atenção: é uma forma de dizer, "olá, me escutem, por
favor".
É a última instância antes de jogar um pão de queijo
na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem "apaixonado por".
Dizem, sabe-se lá por que, "pêxonado com".
Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.
Ouve-se a toda hora: "Ah, eu pêxonei com ele...".
Ou: "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você,
um carro, um cachorro).
Elas vivem apaixonadas "com" alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe.
É um tal de "bonitim", "fechadim", e por aí vai.
Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?".
Traduzo: "E aí, vamos?".

Não caia na besteira de esperar um "vamos" completo de uma mineira.
Não ouvirá nunca.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela,
mas prefiro, com todo respeito, a mineira.
Nada pessoal.
Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.

No supermercado, não faz muitas compras, ele compra "um tanto de côsa".
O supermercado não estará lotado, ele terá "um tanto de gente".
Se a fila do caixa não anda, é porque está "agarrando" [aliás,
"garrando"] lá na frente.
Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com
pena, suspirará: Ai, gente, que dó.
É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras.

Não vem caçar confusão pro meu lado.

Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro "caça confusão".
Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para
se fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é
muitíssimo bom vai dizer: "Ô, é sem noção".

Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem, leitora, idéia do "tanto
de bom" que é.

Só não esqueça, por favor, o "Ô" no começo, porque sem ele não dá para
dar noção do tanto que algo é sem noção, entendeu?

Capaz... Se você propõe algo e ela diz: capaz!!!

Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo.
Quer dizer o quê? Sei lá, quer
dizer "ce acha que eu faço isso"? com algumas toneladas de ironia...

Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: "Ô dó dôcê".

Entendeu? Não? Deixa para lá.

É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."?
Completo ele fica:- Ah, nem...
O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o
pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum.
Mas de jeito nenhum.

Você diz: "Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?".
Resposta: "Nem..."

Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.

Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?

A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?".

A pergunta, mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"?

Tão simples. O resto do Brasil complica tudo.

É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem...

Falando em "ei...".

As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o "ei" no lugar do "oi".
Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!", com muitos pontos de
exclamação, a depender da saudade...

Tem tantos outros...

O plural, então, é um problema.
Um lindo problema, mas um problema.

Sou, não nego, suspeito.

Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares
das mineiras.

Aliás, deslizes nada.
Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja
com a razão.

Se você, em conversa, falar: Ah, fui lá comprar umas coisas..
Ques côsa? - ela retrucará.
O plural dá um pulo.
Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um "pelas metade", no lugar de "pela metade".
E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará:
Ele pôs a culpa "ni mim".

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios em Minas...

Ontem, uma senhora docemente me consolou:
"prôcupa não, bobo!".
E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se
espantam.
Talvez se espantassem se ouvissem um:
"não se preocupe", ou algo assim.

A fórmula mineira é sintética. E diz tudo.
Até o "tchau" em Minas é personalizado.
Ninguém diz tchau pura e simplesmente.
Aqui se diz: "tchau procê", "tchau procês".
É útil deixar claro o destinatário do tchau.
Então..."

Um abraço bem apertado procê.

Texto atribuído a Carlos Drumond de Andrade

Um comentário:

  1. Ahhh eu quero texto sobre as paranaenses também pow! hahahaha
    Beijokas
    Mi
    www.michellebueno.com

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