quarta-feira, 18 de novembro de 2009

QUÉDIS E RELACIONAMENTOS

(por Luiz Henrique Prieto)


Saudade dos bons tempos do Kichute, Bamba e, mais recentemente, do Redley.

Muito provavelmente, a nova geração jamais deve ter ouvido falar de tais marcas, mas todas elas simbolizam a Era Dourada do Keds.

Sim, Keds é o sinônimo que a moçada utilizava para denominar o bom e velho tênis.

Mas porque o título “Quédis” e não “Tênis”?

Simples.

Quem anda com a mente meio poluída, mas é um bom samaritano, poderia associar o calçado ao órgão fálico masculino e deixaria a leitura já no título mesmo.

Os tarados de plantão diriam: “Oba ! Deve ser conto erótico !” e, fatalmente, dariam com os burros n’água.

E “Quédis” pura e simplesmente porque aportuguesei a palavra.

O saudosismo impera mesmo quando lembro do bom e velho “Kichute”.

O quédis de todas as horas !

Com suas 7 travas (sim, assemelhava-se a uma chuteira), servia prá bater pelada, ir à escola, passear e, acreditem, era a sensação nas festas.

Nessa época dourada, o uso do Kichute era associado ao seriado “O Homem de Seis Milhões de Dólares”.

Inclusive, em um dos comerciais, o menino pulava cercas e tudo o mais usando o fantástico quédis.

Tínhamos um cuidado danado com o “pretinho”.

Qualquer poeirinha era rapidamente tirada, usando uma flanela ou mesmo o bom cuspe.

O tempo todo ficávamos observando se os cabelinhos das travas (similares aos dos pneus de carros) estavam se desfazendo.

E, por mais que usássemos o tênis em tempo integral (se os pais deixassem, dormiríamos e tudo o mais com o tesouro), o desgaste levava um tempão.

Feitos para durarem uma eternidade e resistir a todas as provas da infância, raramente se desgastavam e, quando isso acontecia, geralmente era na lona das laterais.

As travas mesmo custavam a desaparecer.

E, quando isso acontecia, o solado ainda durava um bom tempo.

Quando não tinha mais jeito, levávamos o agonizante companheiro ao sapateiro, para uma providencial reforma.

E o companheiro de todas as horas ganhava uma sobrevida.

O curioso é que o tempo todo estávamos preocupados com o nosso tesouro.

Quando novinho, após o uso, mantínhamos na caixa, devidamente embalados em papel de seda.

À medida que ia se desagastando, cuidados mil para que não perdesse o brilho.

Mãos e mais mãos de graxa.

Mil e um invenções para que o pretinho não perdesse o prestígio.

E, quando não mais havia jeito, era costume jogar o amigo na rede elétrica da rua, como num simbólico enterro.

Os relacionamentos são desse jeitinho !

Quando “ganhamos” o presente, temos todo o cuidado do mundo para preservá-lo na caixa, embrulhado em papel de seda.

Quando arranha, damos um jeito de lustrar, consertar com um pouquinho de graxa, tentando manter a aparência original.

No entanto, infelizmente, não nos preocupamos em levar ao sapateiro, quando achamos que não há mais o que se fazer.

Simplesmente, descartamos.

Tempos modernos, minha gente!

Hoje compram-se tênis em 10, 12, 24 prestações.

Quem dera que os quédis atuais durassem o mesmo tanto das prestações!

Costumam acabar mesmo já na metade da dívida.

A facilidade com a qual trocamos os tênis gastos é a mesma com a qual trocamos de relacionamentos.

Sem falar na inutilidade do número de calçados que a gente costuma adquirir, mas nem sabemos o que fazer com elas.

Algumas pessoas mais parecem centopéias, tantos são os pares de sapatos guardados no armário.

São tantos, que nem sabem ao certo o que fazer com eles.

Preferem a quantidade, não a qualidade.

Seus relacionamentos também não têm sido dessa maneira ?

Você não tem se portado como uma verdadeira centopéia ?

Quando calça o último par de tênis, nem lembra mais o que estava lá no comecinho dos cem pés...

E, quando dá uma boa olhada no primeiro, acaba esquecendo do último pezinho...

É preciso resgatar não só os velhos Kichutes, Bambas e Redley’s, mas também o cuidado que tínhamos com eles.

Ficarmos felizes ao calçá-los, desde que sejam realmente o nosso número.

Não adianta querer calçar um tênis que está, ou muito apertado, ou muito folgado.

Não existe fórmula mágica para ajustá-los aos nossos pés.

Tenho certeza que, se estiver exatamente na medida, você terá o máximo cuidado em preservá-lo, primeiro cuidando para mantê-lo bonitinho na caixinha, embrulhado no mais bonito papel de seda.

Segundo, com o passar do tempo e o inevitável desgaste natural, cuidar para que, se não for possível restaurá-lo ao estado original, deixá-lo bem parecido.

Possivelmente necessite de algum remendo, uma mãozinha de graxa, enfim, uma boa guaribada.

E, finalmente, que tal ao invés de descartar o seu bom e velho quédis, tentar levá-lo ao sapateiro ?

Garanto que ficará muito feliz com o excelente resultado que a sobrevida do “pretinho” irá lhe proporcionar.

Contudo, se desejar mesmo enterrar seu velho quédis, não o faça na rede elétrica.

Sepulte-o, definitivamente, em algum lugar, longe do alcance dos olhos.

Afinal, a gente cobiça somente aquilo que vê!

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